sábado, 20 de abril de 2013




A Cultura não se Adquire, Respira-se.

A cultura não se obtém com um labor obtuso e intensivo e é antes o produto da liberdade e da ociosidade exterior. Não se adquire, respira-se. O que trabalha para ela são os elementos ocultos. Uma secreta aplicação dos sentidos e do espírito, conciliável com um devaneio quase total em aparência, solicita diariamente as riquezas dessa cultura, podendo dizer-se que o eleito a adquire a dormir. Isto porque é necessário ser dúctil para se poder ser instruído. Ninguém pode adquirir o que não possui ao nascer, nem ambicionar o que lhe é estranho. Quem é feito de madeira ordinária nunca se afinará, porque quem se afina nunca foi grosseiro. Nesta matéria, é também muito difícil traçar uma linha de separação nítida entre o mérito pessoal e aquilo que se chama o favor das circunstâncias. 
Thomas Mann, in "As Confissões de Félix Krull"

sexta-feira, 19 de abril de 2013


A odisseia.


           

LIVRO XII




Do rio Oceano ao pélago saímos,
Donde o Sol nasce e os coros são da Aurora,
E na praia da Eéia, a nau varando,
À espera que alvoreça, adormecemos.
5 Da manhã mal assoma a rósea filha,
De Elpenor o cadáver buscar mando:
Num teso litoral cortam-se troncos,
Em pranto o corpo e as armas lhe queimamos;
Túmulo erguido e uma coluna em cima,
10 No alto sepulcro se lhe fixa o remo.
Durante os funerais, Circe, que do Orco
Nos sabia de volta, apressurou-se
Com servas, que trouxeram pães e carnes
E roxo ardente vinho: “Ó tristes, clama,
15 Tendes, vivos calando ao fundo abismo,
Dupla morte, e os mais homens têm só uma.
Comei, bebei de dia, e na arraiada
Navegai; vossa rota, e em mar e em terra
Como eviteis o dano, hei de ensinar-vos.”
20     Persuadiu nosso peito. Em pingue bodo
Libanos; e, ao crepúsculo da tarde,
Sobre amarras dormindo a marinhagem,
Circe me toma a destra, a par se encosta,
Pergunta-me de parte; eu por miúdo.




Trecho inicial do Livro XII

Tradução de Manoel Odorico Mendes.

PDF em: 

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/odisseiap.html




HEINRICH HEINE- POETA ALEMÃO








"An Edom!" / "A Edom!": tradução de André Vallias 


A Edom!*

Há dois milênios já perdura
A convivência tão fraterna –
Quando eu respiro, tu me aturas,
Se te enraiveces, eu tolero.

Algumas vezes, convenhamos,
Cruzaste as raias do mau gosto,
As santas unhas mergulhando
Na tinta rubra do meu corpo!

Nossa amizade agora cresce
A cada dia e nunca para;
Virei alguém que se enraivece,
Estou ficando a tua cara.



An Edom!*

Ein Jahrtausend schon und länger,
Dulden wir uns brüderlich,
Du, du duldest, daß ich atme,
Dass du rasest, dulde Ich. 

Manchmal nur, in dunkeln Zeiten,
Ward dir wunderlich zu Mut,
Und die liebefrommen Tätzchen
Färbtest du mit meinem Blut! 

Jetzt wird unsre Freundschaft fester,
Und noch täglich nimmt sie zu;
Denn ich selbst begann zu rasen,
Und ich werde fast wie Du.

[1824]

quinta-feira, 18 de abril de 2013




Manhã de inverno.



Há frio e sol: que manhã linda! Tu, meu primor, dormes ainda. É tempo, ó bela, de acordar. Desvenda o olhar que o torpor cerra, Encara a aurora sobre a terra Qual fosses novo astro polar! À noite, neve e tempestade Houve e, no céu, névoa, verdade?A mancha lívida do luar Nos nimbos era amarelada. Tristonha estavas e sentada; E ora... à janela vem olhar: Ao claro azul do céu que esplende, Tapete raro que se estende, A neve jaz a fulgurar; O bosque, só, sobressai, preto; Verdeja, sob a geada, o abeto; Sob gelo, eis a água a lucilar. Faz-se ambarino o quarto inteiro. Vem estalido prazenteiro Do recém-aceso fogão.Meditar perto dele é grato. Mas dize: queres que, neste ato,A poldra parda atrele, não?A deslizar na neve, amada, Dar-nos-emos à galopada Do equino e sua agitação. Iremos ver os nus e imensos Campos, faz pouco inda tão densos, E a praia de minha afeição.



Alexander Púchkin

Tradução de José Casado


Abaixo, o Link com o trabalho elaborado por Mariana Pithon
Nathalia Campos, uma reunião maravilhosa de poemas russos.









Gregório de Matos


O todo sem a parte não é todo, 
A parte sem o todo não é parte, 
Mas se a parte o faz todo, sendo parte, 
Não se diga, que é parte, sendo todo. 
  
Em todo o Sacramento está Deus todo, 
E todo assiste inteiro em qualquer parte, 
E feito em partes todo em toda a parte, 
Em qualquer parte sempre fica o todo. 
  
O braço de Jesus não seja parte, 
Pois que feito Jesus em partes todo, 
Assiste cada parte em sua parte. 


  

Descrevo que era Realmente Naquele Tempo a Cidade da Bahia


A cada canto um grande conselheiro, que nos quer governar cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia.
Gregorio de Matos



SONETO VII


Ardor em firme coração nascido! Pranto por belos olhos derramado! Incêndio em mares de água disfarçado! Rio de neve em fogo convertido!Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido, Tu, que em um rosto corres desatado, Quando fogo em cristais aprisionado, Quando cristal em chamas derretido.Se és fogo como passas brandamente? Se és neve, como queimas com porfia? Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.Pois para temperar a tirania, Como quis, que aqui fosse a neve ardente, Permitiu, parecesse a chama fria.


Gregório de Matos Guerra